16.5.11

Alegria, alegria


Le Carnaval et la Folie

Por Destouches/La Motte
Os Músicos do Tejo/Coro Voces Caelestes
Lisboa, CCB, Pequeno Auditório
13 de Maio, 21h (última representação ontem)
Sala cheia

Trezentos e cinco anos depois da sua estreia em Versalhes, perante o rei de Inglaterra - então hóspede de Luís XIV - chegou a Lisboa a forma operática da comédie-ballet, fantasia cénica com narrativa contínua e argumento cómico, integralmente musicada. Na versão dos Músicos do Tejo, O Carnaval e a Loucura de La Motte e Destouches é uma lufada de ar fresco, garantindo hora e meia de permanente sorriso. À graça e elegância do libreto e da música acresce o impulso da dança, que o encenador Luca Aprea captou e alargou, transformando-o num princípio de fluidez que perpassa todo o espectáculo. O movimento mimético ou cíclico, a geometria coreográfi ca contaminam os corpos dos cantores, que se desdobram e completam na figura de verdadeiros dançarinos (Catarina Câmara e Pedro Ramos). Também a expressão moderna do movimento se deixa contaminar festivamente por gestos e figuras da dança barroca, tal como as cabeleiras, nos figurinos, nos surgem como sinal de antigas cortesias, certeiramente transmutadas em liberdades carnavalescas. À complexa e rigorosa leveza da encenação corresponde uma interpretação musical que, na sua ausência de esforço e atrito, quase desaparece enquanto tal, deixando-nos a sós com a fruição da trama teatral.

A base desta transparência é um excepcional quarteto de jovens cantores portugueses, todos com carreira europeia na área da música antiga: a soprano Ana Quintans (La Folie), os tenores João Fernandes (Le Carnaval) e Fernando Guimarães (Mercure/Plutus) e o baixo-barítono Hugo Oliveira (Momus). Em particular evidência, nesta ópera, estão os dois primeiros, que confirmam a todo o passo não só a superior competência vocal, como o impagável brio cénico. Carla Caramujo (La Jeunesse) surgiu correcta, embora com uma emissão vocal menos adequada ao fraseio barroco. Jennifer Smith (Vénus) e Luís Miguel Cintra (Júpiter) completaram o elenco; fazendo de deuses, e tendo eles próprios construído no palco (musical ou teatral) um estatuto quase mítico, valorizou-se na sua presença, sempre decorosa, mais a aura e a bênção do que a forma ou a pujança vocais. O Coro Voces Caelestes - enquadrado por um coro de actores - participou, com total entrega e perfeita segurança musical, na concepção teatral do espectáculo, de que foi o segundo pilar. Finalmente, a orquestra d’Os Músicos do Tejo, bem dirigida por Marcos Magalhães, demonstrou as qualidades de sonoridade, imersão estilística e coesão que a fizeram uma referência no panorama nacional da música antiga, tendo havido, contudo, uma ou outra passagem que sugeriu a necessidade de um pouco mais de rodagem.

[Jornal Público, 16 de Maio de 2011. Crítica de Manuel Pedro Ferreira.]

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